Guardo com muito carinho a 5ª.edição, de 1928, do romance “Emigrantes”.
O mundo teve o grande privilégio de conhecer Ferreira de Castro através da sua obra grandiosa, tanto como Escritor, como Humanista. Espírito clarividente sentia na sua pele o mundo que o rodeava e tendo conseguido transpor para o papel a sua alma e a sua experiência deu um grande contributo à humanidade.
Muito poderia relatar sobre a vida e obra de Ferreira de Castro, mas para quê? Perante tudo o que foi, realizou e nos deixou fico quase que como paralisada, extasiada e sem mérito para nada mais acrescentar.
Lembrei-me de vos oferecer o que Ferreira de Castro escreveu, como Nota de Autor, na 5ª. Edição do romance “Emigrantes”:
“ Os homens transitam do Norte para o Sul, de Leste para Oeste, de País para País, em busca de pão e de um futuro melhor.
Nascem por uma fatalidade biológica e quando, aberta a consciência olham para a vida, verificam que só a alguns deles parece ser permitido o direito de viver. Uns resignam-se logo à situação de elementos supérfluos, de indivíduos que excederam o número, de seres que o são apenas no sofrimento, no vegetar fisiológico duma existência condicionada por milhentas restrições. Curvam-se aos conceitos estabelecidos de há muito, aceitam por bom o que já estava enraizado quando eles chegaram e deixam-se ir assim, humildes, apagados, submissos, do berço ao túmulo – a ver, pacientemente, a vida que vivem outros homens mais felizes. Nem todos, porém, se resignam facilmente. A terra em que nasceram e que lhes ensinaram a amar com grandes tropos patrióticos, com palavras farfalhentas, existe apenas, como o resto do mundo, para fruição duma minoria. Mas eles, mordidas as almas por justificada ambição, querem também viver, querem também usufruir regalias iguais às que desfrutam os homens privilegiados. E deslocam-se, e emigram, e transitam de continente a continente, de hemisfério a hemisfério. Dão a volta ao planeta, cada um com a sua esperança colectiva, só o dinheiro tem valor para satisfação de determinados prazeres e para assegurar, com o bem-estar familiar, a tranquilidade na velhice.
Mas em todo o mundo, ou em quase todo o mundo, vão encontrar drama semelhante, porque semelhantes são as leis que regem o aglomerado humano. Não esmorecem apesar disso. Continuam a transitar de olhos postos na chama que a sua imaginação acendeu, enquanto os mais ladinos, aproveitando todas as circunstâncias favoráveis ou criando-as até, quando a esperteza é maior, fazem oiro com a ingenuidade dos ingénuos.
Eles continuam a transitar com uma pátria no passaporte, mas, na realidade, sem pátria alguma, pois aquela que lhes é atribuída pertence apenas a alguns eleitos. Para eles, ela só existe quando nos quartéis soam as cornetas ou nas repartições públicas se recolhem tributos. É assim na Europa e é assim nos outros continentes.
Nasce o homem e se não dispõe de riqueza acumulada pelos seus maiores, fica a mais no mundo. Entra na vida – já se disse e é bem certo – como as feras nos antigos circos – para a luta! Luta para criar o seu lugar, luta contra os outros homens, luta pelas coisas mesquinhas e não pelas verdadeiramente nobres, porque para essas quase não há tempo na existência de cada um.
Homens que, sujeitos a todas a vicissitudes provenientes da sua própria condição, transitam de uma banda a outra dos oceanos, na mira de poderem também um dia saborearem aqueles frutos de oiro que outros homens, muitas vezes sem esforço de maior, sem sair sequer de sua casa, colhem às mãos cheias.
Esses homens vão correr a sua aventura porque têm falta de pão ou porque se convenceram, justamente, de que no mundo em que vivem só quem dispõe de oiro tem direito a expressões capitosas da vida. Em circunstâncias particulares, são iludidos por outros homens, que os exploram na sua própria terra, afirmando à ingenuidade deles que, mesmo assim rudes, mazorros e primários, encontrarão, neste e naquele trecho do planeta, fabulosas riquezas. E eles partem, então, fascinados pela miragem. Se culpas houvesse de estabelecer, à Europa as debitaríamos em primeiro lugar.
Tudo isto porém, são simples ramos de grande, milenário e carcomido tronco, cuja sombra os homens andam agora a examinar, preocupados com o espaço que ela ocupa.
Pela minha parte procuro deixar nítido, para além do problema da emigração, o problema fundamental – o de hoje, o de ontem, o de sempre. Ferreira de Castro
Ferreira de Castro nasceu em 24 de Maio de 1898 no lugar de Salgueiros, na freguesia de Ossela, concelho de Oliveira de Azeméis.
Depois de várias obras publicadas, em 1927 começa a escrever o romance “Emigrantes” sendo este livro publicado em 1928.
Nas páginas da Internet existem excelentes biografias sobre este grande escritor e humanista.
Em 31 de Maio de 1975, dando cumprimento a aspiração que deixou expressa, os seus restos mortais foram inumados em túmulo aberto junto a uma das veredas da encosta da Serra de Sintra, muito perto do local onde viveu longos períodos da sua vida e escreveu grande parte da sua obra.
Nota Pessoal
Mesmo sabendo que em certos países houve uma evolução favorável de aceitação de emigrantes, proporcionando-lhes uma boa reintegração, ainda há muito para fazer. Os países de acolhimento devem ter em conta, nas leis que os regem, condições mais justas e combater a xenofobia e o racismo de certos sectores extremistas da população. O grande esforço e dedicação desses emigrantes em terras estranhas, na esperança de melhores dias, são como uma luz...não se deve apagar. Que os seus sonhos sejam uma realidade.
Transcrevo a seguir um pequeno poema que fiz, não tenho na memória exactamente quando, onde expresso um certo desânimo sobre as heranças que muitos homens recebem. Permanecem pobres, iletrados e sem meios de transformar a Vida acabando, infelizmente, por deixar o seu destino às próximas gerações:
Herança
O menino está só!
Veste só um bibe e está descalço.
Tem os olhos bem abertos
Inteligentes e espertos
Só não tem sorte!
Herança do tempo dos avós
Não se gasta e se arrasta por aí...
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