Vivemos num Mundo conturbado repleto de problemas e incertezas perante o teatro da Vida. Quando os olhos se embaciam, o silêncio fala e as interrogações permanecem...é chegado o momento de meditarmos e nos abrirmos à FILANTROPIA
Sexta-feira, 14 de Junho de 2013
Porquê?
Precisamos, por vezes, de nos isolarmos para pensar verdadeiramente nos porquês da nossa existência. Porque sou esta pessoa?
Quantas e quantas vezes ao relembrar o passado, recente ou longínquo, angustiamo-nos com o futuro. Aprender a agir de maneira diferente sobre certos aspectos da nossa maneira de estar na vida faz-nos mudar a nossa visão em relação ao que somos e ao que nos rodeia.
Podemos utilizar esses instantes de meditação como uma porta que se abre e vermo-nos nos momentos bons e maus do passado. A seguir pensamos que é impossível vivermos agarrados ao que não tem consistência e que já não existe. Nós afinal já somos todo esse passado que ficou registado na nossa memória. Agora o que realmente é importante é o momento presente. Só ele é real.
Para encontrarmos o nosso equilíbrio não podemos desperdiçar o tempo com devaneios que não nos tragam ensinamentos. Ser simplesmente saudosista envenena-nos o espírito. A felicidade nunca é plena e não espera. Ela dá-se aqui e agora.
É, sim, muito importante, reencontrar a inocência do olhar e os nossos melhores sentimentos virem à superfície. Agarrarmos cada instante do hoje e do amanhã.
Quando nos sentimos felizes, junto de quem amamos, é útil para o nosso espírito pensar que tudo são instantes e apreciá-los em toda a sua plenitude. Não somos imortais e não devemos agir com soberba ou superioridade como se a tudo tivéssemos direito.
Agradecer as pequenas coisas felizes que vivemos, tornarmo-nos em crianças surpreendidas pela vida, sermos simples e afectivos é uma dádiva que podemos oferecer a nós próprios.
Tudo que nos acalenta o coração não passa. Desloca-se para outros instantes e ficamos sem medo do fim inevitável.
O mundo rege-se pelo nascer, viver e morrer. Se assim o aceitarmos, lutando pelo nosso bem-estar e o dos outros seremos sempre uma nascente que nunca deixará de nos saciar.
Vamos olhar o presente com alegria. Vamos estimular uma nova maneira de sentir para que o futuro seja percorrido com uma melhor filosofia de vida.
Aida Nuno
sinto-me:
Quarta-feira, 12 de Junho de 2013
A Paz
Por muitos pactos que se façam cada país é um mundo em conflito com um outro mundo. As paredes dos pequenos países cada dia mais se apertam perante uma realidade de interesses, onde os pactos são esquecidos logo após ou conforme as conveniências.
A Paz é só aparente e em qualquer momento surgirá um ponto de ruptura que modificará o que estava escrito ou dito com a maior pompa.
De repente os conflitos explodem como uma bola de fogo. A sua lava queima, destroi, espalha o horror e mata restando depois as cinzas que à mais leve brisa se movem.
Depois, como sempre, num dia qualquer, o homem debruçar-se-á sobre elas, apalpará a sua textura e desfazendo-as entre os dedos as interrogarão.
Pensarão nos porquês e, se o vento muda, as cinzas, por ironia, tocam-lhes no rosto, ficam retidas, misturadas na sua saliva. Aí, o seu sabor a sal, a vida dos mortos, incitá-los-ão a continuar o que foi tantas vezes desfeito e começado sob diversas formas e indefinidamente nunca acabado: A Paz.
A Paz absoluta nunca existirá mas a perseverança permanece no homem que volta ao princípio, cheio de esperança, recomeçando pacientemente do nada.
O absoluto. O direito sobre os outros fazem do poder um Deus primário. A loucura gera mais loucura, gene crescente que tira o verde da alma.
O poder do homem humilha os outros homens, destroi a sensatez que ficará cega até às cinzas.
Essas são pó e por serem frágeis movem-se à mais leve brisa.
Que o vento venha. Fiquemos com a nossa fé.
Aida Nuno
sinto-me:
Terça-feira, 19 de Março de 2013
A vida tem um movimento estranho...
Não acredito no destino. Acredito que a nossa força, o lutar contra a adversidade, a coragem, a lucidez sobre o que nos rodeia (natureza, pessoas, coisas) faz de nós o que quisermos.
A VIDA tem um movimento estranho…
Há alturas em que tudo parece nosso… esse tudo, muitas vezes tão pouco, é o suficiente para nos sentirmos grandes, sortudos, eufóricos.
Há momentos, épocas, ou dias que nada faz sentido, a nossa VIDA parece ter sido escrita por alguém.
Toma estes pontos de referência e desenrasca-te. Chamo a isto – vida de personagem. Temos de cumprir ideias que não são as nossas.
E assim caminhamos, encontramo-nos e perdemo-nos sucessivamente.
Quando o verdadeiro problema é a VIDA que temos e o que devemos fazer?
Coisas que desejaríamos que nos acontecessem, para uma melhor estabilidade, nunca estão ao nosso alcance e ficamos à deriva, impotentes.
A nossa força não é pensar assim mas sim sermos – não desistentes - É isso, é isso, de maneira nenhuma - não desistentes -. Contornar os problemas, ver alternativas, esperar momentos certos, descer, subir, aproveitar oportunidades sejam elas as mais estranhas mantendo sempre o nosso objectivo principal: mudar de Vida.
Há-de então chegar o dia, aquele dia que diremos “valeu a pena”.
A essência de uma caminhada mais calma e por vezes extremamente serena é aceitar a nossa Vida mas nunca parar: sonhar, projectar, construir.
Usar a inteligência, o esforço e a vontade. É assim que poderá acontecer o tal momento mágico sem que nos possam impedir, sem que nos detenham e por fim acontecer a mudança a todo o curso das nossas vidas.
Percebe-se então que tudo é feito pelas mãos de quem sonha, de quem deseja, de quem quer, de quem constrói.
Perante todas as adversidades sejam feitas pela natureza ou pelo homem há o milagre da reconstrução.
Depois das calamidades do DESTINO (o que podemos considerar como destino?) fica tudo para nós fazermos, para nós mostrarmos que não desistimos. É a força da nossa alma que nos impulsiona e transforma o mal em bem para nós e gerações vindouras.
Tudo o que nos acontece está acontecendo também a bilhões de outras pessoas. Não podemos desistir…
Por vezes penso que o tempo devia parar para que eu pudesse mais profundamente pensar, sentir, decidir…mas não pára nunca. Dia após dia o tempo escoa-se e, por mais rotineira que seja a nossa existência, um dia nunca será igual ao outro. Nunca.
Aida Nuno
Segunda-feira, 18 de Março de 2013
O meio ambiente
Jamais o espaço urbano esteve tanto sob pressão como hoje.
A banalização, o consumo e a superficialidade crescente influenciam a identidade do nosso Portugal e a qualidade de vida do meio urbano.
Seria muito inteligente ver-se pela cidade televisões gigantes mostrando a todos nós o que deveríamos fazer para viver de uma maneira mais saudável.
O olhar do cidadão comum poderia captar e reflectir sobre a “saúde da sua cidade” e a “qualidade de vida quotidiana”.
Seria indiscutivelmente uma grande experiência emocional que traria os seus frutos.
O que está bem, o que está mal, as paisagens lindas deste nosso país acompanhadas de música seria um estímulo para todos nós.
Todos temos o dever de defender e lutar pelos direitos de todos e de cada um.
O abismo entre pobres e ricos;
O resultado de injustiças sociais;
A exploração dos seres humanos, as condições de vida vergonhosas, o trabalho das crianças;
Um número crescente de pessoas que são excluídas do seu trabalho como desnecessárias;
As desvantagens dos movimentos de migração;
Trabalhar e consumir sempre debaixo de stress que levam a doenças causadas pela própria civilização e consequente afastamento afectivo e social;
A exploração excessiva das riquezas naturais;
Os interesses do armamento e os focos de guerra que se infiltram cada vez mais pelo mundo.
Cada vez mais nos afectam a deterioração gigantesca de tudo que devemos preservar: o meio ambiente.
Devemos nos debruçar sobre o modo de vida do nosso dia a dia: bons hábitos alimentares, separação do lixo, redução do consumo de energia e de outros consumos, transportes em comum, limitação de viagens de avião e andar a pé quando as distâncias o permitem.
Se estivermos atentos ao milagre da criação os nossos actos diários serão de respeito e de solidariedade.
Aida Nuno
sinto-me:
Domingo, 3 de Fevereiro de 2013
Os Outros e Eu
Laura estava muito cansada e o autocarro nunca mais chegava. Olhou para o saco que trazia e pensou que tinha tido uma má ideia em transportar as compras num saco tão frágil.
Fez um pequeno sinal com a mão e o autocarro parou um pouco mais à frente da paragem. Laura perguntou a si própria o porquê daquela falta de precisão do motorista. Entrou com uma certa dificuldade devido a estarem muitas pessoas em pé mas, olhando com mais atenção, verificou que na retaguarda havia um lugar vazio. Ao sentar-se pensou que mais uma vez tinha tido sorte em arranjar um assento no banco dos palermas. Sem outra alternativa pousou o saco no colo e procurou um pouco de conforto. Não o encontrou e fechou os olhos para se ausentar de tudo o que a rodeava.
Lembrou-se dos dois filhos, das dificuldades que tinha tido ao longo do casamento e que ainda estavam presentes no seu dia a dia. Tudo crescia na sua casa. Eram os crianças, as contas, que não se podiam adiar, e tudo se enredava para lhe dar momentos de alegria e outros de aflição.
Sentia que já não tinha a agilidade e a força de antigamente. Tinha engordado um pouco, sentia-se menos ágil, e a vontade de conseguir que tudo estivesse feito e na devida ordem eram só desejos. Estava a ficar mais desordenada, mais inquieta. Começava a perceber que as pequenas coisas a que dava tanta importância, quando era mais nova, tinham deixado de ter qualquer valor para si. Andava cansada da rotina, de tantos afazeres, das dificuldades constantes. Hoje não era essencial que tudo fosse belo, que tudo tivesse uma aparência harmoniosa, sem falhas. Sentia-se mudada, menos cuidada, desinteressante.
No seu íntimo Laura sempre tinha gostado de sentir segurança e, por isso, tinha casado com um homem bom, íntegro e tivera dois filhos, a sua Alice e o seu Ricardo. O passado para ela deixara de existir, ou seja, parecia muito longínquo, desde que conhecera aqueles que amava. Vivia com toda a sua alma a vida com a família. Nada era fácil para si: segurar o dinheiro todo o mês, os extras que apareciam, as roupas que faltavam.
Por muito que trabalhassem os problemas nunca acabavam. Uma vida em comum com filhos para criar é bom, é reconfortante mas custava um bocado segurar as dificuldades que, por vezes, a sufocavam. Criara com o marido uma vida de verdade onde havia muito amor e persistência. Só que hoje sentia-se exausta. O calor de Agosto tornara-se insuportável para quem é obrigada a andar pela cidade de um lado para o outro.
Os pais viviam longe, aliás, ela é que vivia longe dos pais e dos irmãos que, com certeza, preenchiam o vazio da sua ausência. Tinha-se acomodado a viver das recordações de infância e de matar as saudades quando a vida o permitia.
Suspirou. A noite em breve chegaria e ela também, dentro de pouco tempo, regressaria a casa e descansaria um pouco enquanto o jantar se fizesse. Sorrio levemente à imagem dos filhos perguntando: O que é o jantar mãe? Mesmo cansada faria um pouco de arroz doce para a sobremesa. Os filhos adoravam e seria uma surpresa.
Continuou a pensar no dia de amanhã que compreendia voltar de novo à lida de todos os dias. Respirou profundamente e abriu os olhos. Fazia parte deste mundo que caminhava ao seu lado, cada um com os seus pensamentos onde alegrias e tristezas se confundiam. Uma cidade enorme para a sua dimensão de vida que, muitas vezes, a desorientava e lhe metia medo.
O autocarro rolava devagar, como habitualmente, no meio do trânsito de fim de tarde. Laura olhou as nuvens que se estavam a tornar de um cinzento chumbo prenúncio de chuva e trovoada para a noite. De uma maneira abrupta o autocarro parou numa paragem, como se o motorista, contrafeito, não quisesse parar. Talvez não...seria cansaço de uma noite mal dormida por algum motivo grave ou estivesse só absorto com pensamentos banais que lhe desviavam a atenção e o interesse pelos outros que se apinhavam, como bonecos sem corda, à sua espera. Como o poderia saber?
O destino? Tantos destinos silenciosos, sem expressões, sem gritos, sorrisos ou palavras. Não queria pensar muito porque a sua vida já era de si complicada. Estava imenso calor. Abafava.
Reparou na entrada dos passageiros e chamou-lhe a atenção um homem de óculos muito escuros pedindo o seu lugar por direito. Era cego. Trazia consigo uma bengala extensível.
Sentiu-se a observá-lo emocionada, intranquila por o estar a fixar tão intensamente. Não conseguia desviar o olhar, com um misto de pena e de vergonha, como se a sua visão fosse qualquer coisa que roubara e que, por conseguinte, não tinha direito.
O cego impassível sentou-se e, de repente, olhando sempre em frente, começou a conversar com o passageiro ao seu lado sobre futebol. Sorrindo e gargalhando questionava e, ao mesmo tempo, respondia sobre as vitórias do seu clube.
Não conseguia desviar o olhar daquele jovem desconhecido, cego e sorridente. Os dedos crisparam-se no saco das compras e, por momentos, entrou na sua realidade. O saco estava-se a rasgar e ela ficou suspensa no receio de que tudo se espalhasse sem remédio pelo chão do autocarro.
Ninguém reparava nela nem no cego. Ninguém olhava ninguém, nenhum dos ocupantes sorria para além do cego conversando com o outro passageiro sobre futebol. Laura sentiu-se impotente perante aquela súbita piedade que a incomodava. Sentiu uma angústia dolorosa apanhar-lhe o coração, estrangular-lhe a garganta.
Encostou o saco de plástico meio roto contra o peito tentando salvar a fruta e os legumes que trazia. Tentou concentrar-se na sua aflição, esquecer o cego e o cansaço que a tomava.
Desceu do autocarro com as pernas trémulas, completamente derrotada pelo dia que tinha tido. Segurava com dificuldade o resto do saco com a ajuda da roda do vestido puxada para a frente com ambas as mãos.
Foi com dificuldade que percorreu o caminho até chegar a casa. Parecia que o seu cansaço, o saco rasgado e o cego lhe tinham baralhado o sentido de orientação, o significado da sua vida e o direito de ver.
O coração batia-lhe acelerado quando entrou em casa. Não resistiu mais, baixou-se e deixou rolar pelo chão tudo o que trazia. Sentou-se no soalho e riu. Um riso rouco, convulso, sem alegria. Acabou o riso e o silêncio tomou conta de si. Assim se deixou ficar até que a noite começou a descer e sentiu que as obrigações de mãe e mulher a chamavam.
Foi então que entre os tachos, a mesa posta, o arroz doce, nesses momentos tão reconfortantes, que sentiu um amor profundo por tudo que fazia, pelas pequenas coisas que podia olhar, pelo marido que em breve chegaria sorrindo para ela no meio da sua fome, pelo alarido dos filhos, pelos olhos com que podia olhar o mundo, ver os que muito amava. Como era bom olhar a cor dos seus cabelos, as mãos... a expressão tão inocente dos seus filhos!
Esqueceu-se do seu cansaço e sentiu-se feliz por ter podido dificilmente, mas com sucesso, transportar a fruta e os legumes até a casa, porque via...
A família chegou e acharam Laura muito exuberante. As crianças riam e o jantar sendo humilde parecia de festa. Como uma ave apreciando a Primavera Laura prendeu esses momentos profundamente na memória como se tivesse medo que tudo que de bom tinha se escoasse entre os seus dedos.
Nessa noite, o quarto, o marido e o amor tiveram para Laura outro significado. Fizeram-na esquecer o dia, o inferno da realidade, o mundo dos outros que, por breves horas, lhe tinham amargurado o coração.
Aida Nuno
sinto-me:
Sábado, 26 de Janeiro de 2013
Haja disciplina e contenção
Bem gostaria de recomeçar! Ter juventude e lucidez ao mesmo tempo! Quantas e quantas vezes ouviram ou disseram estas frases?
Não se julguem culpados. O problema continua nas gerações mais jovens. No passado não havia condições e o presente vive à nossa frente incerto, limitado ao que nos oferecem sem oportunidade de dizermos: Não!
Há ainda quem se rebele e diga: Não façam isso, é desumano… Com a sua coragem perderam também o seu emprego. Deslocaram-se para o lado errado. Temos de viver calados porque temos filhos e no tempo em que vivemos as consequências da rebeldia são dramáticas.
É preciso instruir. É necessário distinguir o essencial do supérfluo. Mas não! Tudo que é prejudicial é-nos oferecido em bandejas coloridas aliciando aqueles que não conseguem discernir. Porque não o conseguem?
Porque o povo tem de continuar a existir para alimentar todos aqueles que nos entregam só o que acham conveniente. Limitação é o termo.
Ao longo da vida perdemos tanta coisa! Esse tempo impalpável sempre correndo apressado sem dar tempo…Ficamos despojados de nós próprios, sem termos sido, sem nos termos completado. Fomos enganados. Todos temos o direito e a seguir o dever de irmos mais além. Sempre ouvi dizer que parar é morrer. Quem nos oferece as alternativas a que temos direito?
Lutar pela cultura e saúde do povo devia ser um dos principais objectivos de quem nos governa. Pobres mas não ignorantes. Quantas e quantas gerações se mantiveram na mesma pobreza, na mesma ignorância? Avós, pais, filhos…e os netos por esse caminho vão.
Vivemos estimulados pelas facilidades. É só abrir a TV. O que nos aparece? Os sábios(as) que estão na moda, telenovelas, futebol e um conjunto de notícias que são transmitidas de uma maneira leviana e que são no dia seguinte desmentidas sem mais nem para quê. Há tanta coisa para dizer de uma maneira simples e estimulante mas, apenas uma pequena parte, é focada nos meios de comunicação. Há muitos interesses envolvidos.
Depois há os dias em que se debate o patriotismo, a inter-ajuda e o bem-fazer. Muito se fala dos pobres do terceiro mundo mas, os problemas existem, também no primeiro e no segundo mundo... O importante na política são os interesses que prevalecem. Estende-se a mão sorrindo a quem não se deve. Perdeu-se a memória. A minha mãe sempre me ensinou que valia mais comer apenas uma sopa por dia do que nos vendermos. O que me resta é ainda acreditar na lucidez dos jovens. Tenho uma necessidade enorme de acreditar neles.
Digam-me: Quem vislumbra a felicidade neste país?
Qual o meu conceito de felicidade depois de tantos anos de vida e de luta?
Gostaria que todos tivéssem instrução suficiente, um serviço de saúde decente, oportunidades de trabalho de maneira a criarem os filhos com alegria.
O stress instalou-se e porquê? O patronato abusa porque a procura é maior que a oferta. Assim uma pessoa tem de trabalhar por três. E é que trabalham mesmo porque se instalou o medo. O medo e a ânsia de sobrevivência acobardam e transformam muitos de nós. Hoje a exploração prevalece mais do que nunca. Lutem pois pelos vossos direitos.
Inevitável
É inevitável!
Nascemos e herdamos a morte
Cola-se à nossa pele
Vive emocionada
Com tudo o que vê cega
Arrebata-nos e absorve-nos
Num momento imprevisível
Previsível na sua cegueira de lágrimas.
Não há regras
Não há disciplina
Não há justificação
Não há certezas.
Só que
Os intocáveis envolvem-se
Em membranas viscosas e opacas
Isolam-se em mansões
Usufruem os seus milhões
Melífluos justificam
As suas regras
As suas certezas
Haja disciplina e contenção.
Aida Nuno
sinto-me:
Quinta-feira, 10 de Maio de 2012
Sentir as Palavras
Este Blog é muito importante para mim. Nele escrevo temas que fluem da minha alma e também de algum conhecimento que tenho.
Não sou intelectual, não sou profundamente conhecedora de nada. Sou persistente. Gosto especialmente de mostrar, a quem me lê, que quero mais do que tudo demonstrar que podemos ser o que quisermos se nos empenharmos
Quando tinha nove anos fui um dia à noite às instalações do Sindicato dos Pescadores. Quem me levou foi uma amiga da minha mãe que aí trabalhava como empregada de limpeza. Meio século já passou. Não esqueço porém que havia numa sala uns oito/dez pescadores, de diversas idades, aprendendo a ler e a escrever com um professor. Eu, miúda ladina, saracotiei à volta deles e alguns chamavam-me para os ajudar. Eu sabia mais e fiquei muito contente por os ensinar. Nunca esqueci as suas mãos calejadas em cima das minhas agradecendo o pouco que eu estava fazendo. Hoje lembrei-me nitídamente de tudo isto. Tenho muita pena de toda a ignorância que existe. Nos nossos dias não é propriamente o não saber ler ou escrever...
O pouco que sei transmito-o como posso e de toda a maneira viável. Fico sempre muito feliz quando alguém responde ao meu apelo de partilha acabando também por me ensinar com as suas experiências de vida.
Hoje peguei num livro escrito pela minha amiga Ilda: “O Caminho da luz”. Narra com toda a simplicidade de uma mãe o seu percurso perante o inevitável: a morte do seu filho. Vai-se apercebendo, dia após dia, que dentro de algum tempo o seu filho vai partir.
Ela ao princípio não acredita. Pode lá ser! O seu filho é jovem, alegre, bom, cheio de saúde mas os dias, os meses, em suma o tempo não perdoa e dá-lhe o desespero misturado com a esperança, o medo com a coragem, a luta com a resignação.
Lembrei-me hoje intensamente da minha amiga Ilda. Da minha irmã de infortúnio.
Trancrevo a seguir, do início do seu livro, alguns excertos que achei relevantes para o enriquecimento de todos os interessados.
Eu acredito nas palavras, na sua força, na sua verdade quando o sofrimento entra em nós.
Não poderia deixar de informar que este maravilhoso livro está à venda na sempre louvável Associação “A Nossa Âncora-Apoio a Pais em Luto”.
Qu “Quem somos?
“…A ilusão sobre a realidade, em que o ser humano vive, é tão grande quanto esta vida terrena é verdadeira. Por vezes, esta mesma ilusão torna-se imperceptível, quase não dá para a sentir, não fossem as marcas que a própria realidade inscreve no tempo, durante o qual peregrinamos nesta Terra, tempo de que muitos de nós nem nos daríamos conta tão fugaz, é a vida que nos é permitida viver.
O tempo é o único factor relativo e mensurável do caminho por nós trilhado até uma meta desconhecida, no entanto materialmente certa, de onde ninguém consegue escapar; a morte física.
Em minha opinião, vivemos imersos no ar e submersos na ilusão, passeamos pela vida que nos foi imposta, sem percebermos muitas vezes ter apenas uma missão, seja ela qual for, que nos foi entregue, sem possibilidade de a recusarmos, para cumprir as nossas obrigações, sejam quais forem, sendo obrigatório apenas nascer, viver e morrer, e aquilo que nos foi oferecido logo no acto em que fomos concebidos.
Seremos por vezes uns indivíduos cheios de sorte se percebermos, de algum modo, de que ao nascermos, contribuímos de alguma maneira, mesmo por vezes microscópica, para a alteração deste mundo tão desconhecido.
Uns mais e outros menos, todos encontram o inexorável caminho a percorrer, com ou sem conforto, mal ou bem, mesmo à custa da própria vida, mas todos com o instinto da sobrevivência neste mundo complicado, onde se vive numa busca intensa e exaustiva de objectivos mais ou menos concretizáveis, muitas vezes só nas intenções, até ao fim dos nossos dias.
Falo por mim, dado a minha experiência de vida, com momentos muito fáceis e com outros exaustivamente difíceis e incontornáveis. Tiro estas conclusões como um ser humano, por certo igual a tantos outros mas tão diferentes de indivíduo para indivíduo.
Contudo todos os caminhos percorridos por cada um de nós têm de ser preenchidos com as nossas acções ou mesmo intenções seja de que modo for. Não são melhores uns do que os outros; são diferentes e pertencem a cada um, ainda que, por vezes, pareçam ou estejam cheios de problemas. Serão obras do acaso? Ou serão coincidências muito coincidentes? Uns dizem ser o destino, outros nem sequer acreditam em nada, mas há os que se debruçam sobre o assunto e tecem teorias, avançam certezas e constroem confusões, que levam ainda a outras questões, quase todas sem resposta no limiar do concreto.
Se tivermos a ousadia e a coragem para rejeitar aquilo que somos, na verdade, apenas se recusa a duração do tempo da nossa peregrinação, não a própria vida, por ser já um acontecimento intrínseco, isto é, não se pode recusar a existência daquilo que já é, que não pedimos, ou que não nos foi perguntado no acto de que nascemos. Pelo menos a nível material, porque a nível espiritual, torna-se mais complicado e até delicado tecer algumas considerações.
Por vezes sonhamos com o convencimento do poder sobre as nossas vidas e também a dos nossos semelhantes, isto é, a decisão de continuar a peregrinação ou de a fazer parar, podendo ocorrer aquilo que se convenciona de interrupção da caminhada, ocorrendo a morte terrena, através de suicídio, homicídio, genocídio e todos os terríveis substantivos mais conhecidos para além da morte natural.
Instala-se o sentimento amargo e indescritível de um potencial processo depressivo, instrumento principal para acabar com uma vida, antecipando o processo de destruição a que estamos condenados dia após dia. Esta destruição torna-se para o suicida um bom prémio. O simples facto de viver transporta em si mesmo uma grande responsabilidade que acrescida de acontecimentos pouco agradáveis, com que a vida nos vai brindando, ajuda a se instalar a depressão, por vezes em indivíduos onde pouco seria de prever.
Debatem-se mundialmente estes temas encontrando culpabilidade nuns e noutros, ou mesmo heroísmo nas decisões tomadas quando os sofrimentos, as doenças ou as guerras, exprimem toda a sua força tempestuosa.
Depois há a eterna luta frustrante daqueles que sabem de mortes anunciadas e que, querendo a vida, ela se esgueira rapidamente, muitas vezes com bastante sofrimento, agarrando-se ao fio que ainda os mantém presos deste “lado”.
Desta maneira, poderemos verificar que avaliar a vida é uma tarefa muito difícil, ou mesmo impossível, que por entre outras coisas dá origem à frase sobejamente conhecida: “a vida não tem preço”.
Tenho contudo a esperança na existência da excepção, como em todas as regras onde qualquer mãe ou pai, biológico ou adoptivo, se dispõe a pagar o preço da sua própria vida, mesmo sem sequer a avaliar, pela vida de um filho ou filha.
Sei, por experiência própria, não ser possível tal troca, a não ser num acto desesperado como por exemplo num acidente onde em situação de resgate, o salvador dá a vida pelo outro.
A meu ver só em cada e precisa ocasião, se poderá preconizar, muito por alto, a maneira como cada um nós reagiria em situações tão extremas e difíceis das nossas vidas.
Não existem regras para poderem ser aplicadas em cada caso, o tempo, o lugar e as atitudes de cada indivíduo ou conjunto de indivíduos, ditarão nas alturas próprias como reagir, com a experiência adquirida ou até a instintiva.
Como exemplos destas reacções temos conhecimento de casos tais como, nas decisões a tomar quando esgotadas todas as hipóteses conhecidas, se decide acerca do prolongamento ou não de uma vida seja ela qual for. Estas decisões constituem pólos opostos de peso idênticos como se dois iguais se tratassem mas tão distantes um do outro.
Actual e afortunadamente discute-se por todo o lado, seja em encontros entre os interessados, ou nos meios de comunicação, acerca de políticas do poder de decisão sobre a vida no planeta, as guerras que reduzem muitas vidas, a fome que antes de matar come quem dela padece, a ganância que se alimenta da necessidade dos outros e toda uma panóplia de enfermidades causadas pela pouca dignidade conferida à natureza das pessoas, dos animais, e das coisas existentes neste planeta azul, em que metade da humanidade anda a prejudicar a outra metade.
Finalmente sobram, e de que maneira, as causas naturais tais como os acidentes, que ocorrem na própria natureza, por exemplo, catástrofes, disseminação de doenças e o ciclo normal da vida e da morte sempre imperturbavelmente de mãos dadas...”
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“…Por mim acredito que existe um sítio, um lugar intemporal para onde caminhamos, de alguma maneira, com ou sem sucesso em cada momento, face ao humanamente convencionado, acreditando numa entidade, num Ser, num Deus ou mesmo não acreditando em coisa nenhuma. Contudo existe a necessidade física e espiritual de percorrer esse caminho, com extensões, passagens e estações diversas, cruzando-nos com outros percursos fáceis ou difíceis, num frenesim constante de procuras e achamentos, dando deste modo um sentido para a nossa existência.
Porque é que tudo isto existe? É a pergunta mais comum de todos nós, quando paramos um momento nos nossos afazeres e começamos a meditar no assunto. Na verdade como disse Descartes “…se penso, logo, existo…” ou como, António Damásio provou nos seus trabalhos “…se existo, logo penso…” quando se referia à era informática aplicada ao estudo do cérebro humano.
Se obtivermos uma resposta afirmativa para este sentido de existência teremos um objectivo, seja ele qual for. Se negarmos o sentido da nossa existência teremos o nada, podendo então assumir talvez ser esse o nosso destino, ficando com questões cuja justificação é o constantemente “Nada”.
Depois de pensar algum tempo sobre esta crise de existência e separando-me do conceito de Deus, e como não conheço um outro sentido que me faça compreender para além do meu conhecimento, acabei por aprender nunca poder ter certezas, como muitos de nós já aprendemos, e é justamente no pensamento das incertezas que eu vou existindo, coabitando, vivendo e caminhando, juntamente com tudo e com todos que me rodeiam.
Vamos deixando desta maneira a memória da nossa existência, ainda que ténue, legada a gerações vindouras, no tanto quanto nos é permitido, directa ou indirectamente, passando o testemunho, da nossa curta existência, de geração em geração nas dimensões possíveis.
A seguir à nossa partida talvez outros continuem a lembrar as nossas memórias. Utilizando diversos mapas e percursos de anteriores caminhos para lições a futuras gentes. Se isso acontecer, vamos sendo bem sucedidos num testemunho histórico da nossa passagem por este mundo. Se por algum motivo a transmissão cessasse e se instalasse um novo universo diferente do conhecido, iniciar-se-ia um novo processo uma nova dimensão do cosmos. Provavelmente tudo ficaria no esquecimento, no nada.
Contudo não nos devemos esquecer de que até o mais desconhecido pastor ou viajante da pré-história gravou o seu testemunho em pedra e só este acto permitiu não ficar no terrível desconhecimento da sua vida, até aos dias de hoje e por certo será recordado, ao invés da maior parte de toda a humanidade que não mais será lembrada mas deverá sem dúvida com a sua passagem ficar registada nesse enorme livro escrito constantemente pela mãe, Natureza.
Assim sendo, se existir alguma coisa depois da vida que nós conhecemos, (e eu acredito que existe), a transmissão ou herança dos caminhantes que passam por esta estrada serve para deixar testemunho da nossa existência sendo difícil de interpretar a navegação numa outra dimensão, para sítios, caminhos ou mesmo outras formas de existência.
Para todos conhecidos, não conhecidos e esquecidos, certamente seremos acolhidos da mesma maneira por essa “luz” que ilumina todos os caminhantes, numa hipotética viagem de esperança, cujo objectivo é, em meu entender, O Caminho da Luz.
Espero que o meu filho tenha alcançado essa entidade, que penso ser a meta de uma corrida para Deus, tendo grande esperança em um dia nos voltarmos a encontrar, para nunca mais nos separarmos.
Ao prepararmo-nos o melhor que sabemos e nos é permitido, para chegar a bom porto, após breve viagem por estas rotas da nossa presença terrena e espiritual, podemos aperfeiçoar técnicas de sobrevivência nesta passagem para um desígnio diferente, ou que supomos ser diferente, através de conjecturas do nosso ser experimental. Se nos prepararmos bem, acreditando que existe algo depois daquilo a que chamamos vida e, seguidamente morte, poderemos encontrar um sítio de perfeição suprema, absoluta e intemporal. Poderemos então adivinhar que vale a pena caminhar com rectidão para nos podermos de novo reunir com os que já partiram.
Se chegarmos depois à conclusão de que nada existe, não nos devemos inquietar, com o esforço que fizemos, porque já nem vamos ter oportunidade de pensar nisso, porque já partimos desta vida e já nem vamos a tempo de retroceder.
Assim é sempre melhor acreditar de que se alguma coisa existe, para além do mundo físico, e se for caso disso tirarei proveito desta minha vida que me foi permitido viver. Caber-me-ão também os frutos provenientes desta minha dura caminhada e igualmente não me irei arrepender, quando por fim abraçar o meu filho que me há-de aguardar lá no fim da minha caminhada...”
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“…Atrevo-me a pensar na injustiça da morte de alguém em plena adolescência, descobrindo as coisas boas da vida, desejando conhecer tudo o que o rodeia e ser confrontado com uma “paração” total da sua preciosa vida.
Ainda que continuasse vivo por mais algum tempo, e sabendo da escassez dos recursos científicos disponíveis para lhe permitir o prolongamento artificial daquele bem, a vida, que lhe fora oferecida, esse tempo desembocaria num sentimento total de desamparo, de ilusão, de que todos nós só nos apercebemos quando nos toca tal desgraça. Cair no precipício da vida, ou sentir-se traído pela existência oferecida como um bem supremo e ver que, pouco tempo depois, lhe é roubada, podemos levantar as questões:
- O que é isto?
- Para que existimos?
- Viver é só sofrimento?
- Para quê?
Estas questões originam, o sentimento amargo de injustiça.
Durante aquele tempo faltou-me a coragem de abordar o tema da morte com o meu filho, se bem que por vezes roçasse nos limites, muito discretamente, durante os seus longos períodos de silêncio e serena quietude, de olhar longínquo e vago. Por vezes ficava com os olhos fixos e humedecidos de lágrimas, provocadas por pensamentos que eu nunca soube decifrar mas que tentava adivinhar silenciosamente.
Evitei sempre com muita resistência abordar o tema da morte frontalmente, mesmo até quando o pai se propôs a tal. Hoje o pai está arrependido de o não ter feito mas eu continuo a pensar ter procedido bem.
Continuo a interrogar-me se é bom falar ou dizer de algum modo a uma criança que vai morrer. Sei de muitas pessoas que o fazem, mas eu até hoje não consigo pensar que no nosso caso isso tivesse sido adequado. Acho ser de uma grande heroicidade quem o consegue fazer. Posso estar enganada mas, no meu entender, o choque de dizer a um filho que vai morrer, ainda para mais quando ele ama tanto a vida, roça quase o sadismo.
A irmã de dez anos confiou-me, meses depois da sua morte, que ele lhe tinha já contado vários segredos só a ela, e que me contaria um por não o conseguir mais guardar.
Tinha-lhe então confidenciado preferir morrer a viver assim como vivia, cheio de tubos, com pouca mobilidade, tomando doses de morfina para abrandar as dores lancinantes que o consumiam. Contou-me isto em jeito de segredo com a voz baixa e respeitosamente, não fosse alguém ouvir um dos segredos tão bem guardados, mas cujo conteúdo já não mais sentia pertencer-lhe pois agora serviria para ajudar todos a não sofrermos tanto.
Era um jovem com a promessa de vida recebida no dia da sua concepção, amante dessa mesma vida, transformando tudo a que tinha acesso em algo de novo, único e pessoal, transmissor das coisas boas ao seu semelhante, cativante, obcecado com a pureza do viver e do fazer bem aos outros, compreender e amar o natural.
Ainda me arde a chaga nunca curada ao pensar como podia um jovem como ele desejar morrer em vez de viver. Quanto sofrimento lhe passava sobre o corpo ao ponto de não querer mais viver, com tantas limitações físicas a que foi submetido, onde a sua própria carne se transfigurava, sofrendo as mutações do cancro, incompatíveis com a vida biológica.
É à irmãzinha com apenas dez anos de idade que ele escolhe para fazer esta revelação que tanto o preocupava. Só com ela foi capaz de partilhar fielmente coisa tão difícil de silenciar mesmo após a sua morte.
Pelo facto de ela obviamente ter uma idade mais próxima da sua, terá sido escolhida como confidente dos seus segredos, de modo a não perturbar os pais a quem tanto amava. Penso que a pureza chama a pureza e a simplicidade a simplicidade, por isso foi ela a escolhida para confidente.
É dos simples o reino dos céus. Como está escrito…, mas também é dos outros, quando se tornam tão simples, quando se passa por processos de purificação no “crysol” da nossa complicada existência.
Assim como assim, caminhamos sempre por caminhos tortuosos, seja qual for o nosso Deus. Nascemos, vivemos e morremos. Todos nós nos transformamos noutra coisa, material ou espiritual, seja qual for o tempo de duração da caminhada e o modo como a fazemos.
As interpretações são várias e de cada qual, mas estas convencionadas leis são comuns a todos, ricos, pobres, bons e maus, humildes ou poderosos, inocentes ou culpados. Os caminhos e as questões que vão surgindo são interpretadas diferentemente, mas o fim é o mesmo...”
(Iniciado 20 de Abril 1999) Ilda Soares”
sinto-me:
Domingo, 17 de Janeiro de 2010
VIRGILIO FERREIRA (1916-1996)
Virgilio Fereira nasceu em 1916 em Melo, Serra da Estrela, (Portugal) e faleceu em Lisboa em 1996. Frequentou o Seminário do Fundão (1926-1932) e licenciou-se em Filologia Clássica na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (1940). A par do trabalho de escrita, foi professor de Português e de Latim em várias escolas do país.
Inicialmente neo-realista, depressa Virgílio Ferreira se deixou influenciar pelos existencialistas franceses (André Malraux e Jean-Paul Sartre), iniciando um caminho próprio a partir do romance Mudança (1949). É considerado um dos mais importantes romancistas portugueses do século XX, tendo ganho vários prémios.
O Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores (duas vezes ganho, primeiro com o romance Até ao Fim e depois com o romance Na tua Face), e o Prémio Femina em França com o romance Manhã Submersa.
Obras:
FICÇÃO:
O Caminho Fica Longe (1943), Onde Tudo Vai Morrendo (1944), Vagão J (1946), Mudança (1949), A Face Sangrenta (1953), Manhã Submersa (1953), Apelo da Noite (1963), Aparição (1959), Cântico Final (1960), Estrela Polar (1962), Alegria Breve (1965), Nítido Nulo (1971), Apenas Homens (1972), Rápida, a Sombra (1974), Contos (1976), Signo Sinal (1979), Para Sempre (1983), Uma Esplanada sobre o Mar (1986), Até ao Fim (1987), Em Nome da Terra (1990), Na tua Face (1993), Cartas a Sandra (1996).
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Divagações sobre o livro “Manhã Submersa” incluindo alguns excertos.
Este romance é vivido nos anos 50 quando muitos rapazes pobres, para poderem sair das suas terras, onde a fome pernoitava, iam para o seminário sem qualquer vocação, sem qualquer sinal de Deus.
A sua liberdade, a partir daí, passava a ser prensada no rigor, na disciplina mórbida dos seus educadores.
...”Sabe porque veio para aqui?
Calado, cosi-me todo contra o muro do meu pavor. Tinha os olhos sem governo, os braços pendentes, a boca cheia de sal.
- Sei, sim Sr. Reitor. Não sei, não, Sr. Reitor.
Ficámos ambos em silêncio, para avaliarmos bem a minha confusão.
- Em que ficamos? – Tornou o homem – Sabe ou não sabe?
- Eu julgo que é por causa da carta. Mas não sei ao certo.
- O menino não se sente bem no seminário?
Era uma oportunidade. Ah, eu queria era paz. Escorraçado, infeliz, esmagado de solidão – mas em paz. E atirei-me sufocado:
- Sinto sim Senhor Reitor. Sinto-me mesmo muito bem no Seminário.
- Então porque disse que se queria ir embora? Não o têm tratado bem?
- Têm sim Senhor Reitor. Têm-me tratado mesmo muito bem.”...
Então o reitor dissertou sobre a suprema dignidade do sacerdócio, o favor da D. Estefânia que libertara António Lopes da sua raça.
...”começou a contar a minha história triste que eu ouvi atentamente, porque, afinal, com grande surpresa minha, eu não a conhecia. O meu pai morrera, a minha mãe era pobre, eu brincara na lama da minha condição – sim”.
Impressiona neste romance a narrativa sobre o pecado do desejo, o medo do inferno e o temor a Deus.
...”De repente, porém, não sei como, ó Deus, nem nunca o saberei, apoderou-se de mim um orgulho horroroso da minha qualidade de pecador perdido, da minha sorte de condenado. Desvairado, levantei os olhos ferozes, encarei a morte de frente. “Vem! – urrei-lhe do mais fundo de mim. Não peço perdão a Deus, não peço perdão a nada.
... Mas, pela manhã, ao primeiro clarão da consciência, correu-me logo todo um movimento brusco que me despertou completamente. E deslumbrado de surpresa reparei, ó Deus, que estava ainda vivo. Estava ali bem vivo, mexia as pernas, os braços, e via com estes meus olhos a camarata adormecida, as sombras dos corredores”.
A consciência de António persegue-o: a sua culpa, as suas confissões apavoradas de urgência e ouve o padre Silveira nas explicações da técnica de resistência à investida das paixões.
Por fim, já com dois anos de seminário garantidos com exames António volta à aldeia e sente-se importante. A sua benfeitora D. Estefânia trata-o correctamente e a sua gente olha-o com humildade. O Dr. Alberto brinca com ele e pergunta-lhe:
...”Dizem para aí que te atiras às moças. Qualquer dia acusam-te ao Bispo.
- “Eu mato-o! Eu mato-o!” Lívido eu sentia-me destruído finamente, como se uma chama verde me queimasse o osso das gengivas...e frio de medo respondia:
- O Sr. Dr. deixe-me!”
António quer desistir do seminário, a mãe resiste, e ele teima. Há o cansaço dos retiros, das rezas e António sente que, para dominar o futuro, tem de percorrer uma longa distância.
-“Hei-de fugir, hei-de vencer. Que ninguém tenha pena de mim.”
Por fim sai do seminário com uma vida inteira para conquistar. Passa a viver em Lisboa e trabalha em tudo o que lhe aparece. Passa a olhar a mulher que passa por si sem medo, olha-a e encontra a revelação de uma esperança que perdera...
...”até que um dia bruscamente, estremeci de surpresa e revelação: eu sabia enfim quem ela era. Mas como falar-lhe? Como aceitar desde já a dor de uma desilusão?...
Por isso eu me calo até à minha angústia, recolhido no receio do meu sonho...
Por isso, nesta hora nua em que escrevo, perdido no rumor distante da cidade, conforta-me pensar não sei em que apelo invencível de vida e de harmonia que não morreu desde as raízes da noite que me cobriu.”
Nota:
Penso que um padre tem que se sentir vocacionado plenamente para o sacerdócio. Tem que servir Deus acreditando. Na sua verdadeira fé não se sente prisioneiro porque se entrega em liberdade e com alegria.
A vocação de padre é um mistério e como diz Saint-Éxupèry: “Quando o mistério é muito grande, não se ousa desobedecer”.
O padre é essencialmente um homem do Povo porque antes de “inventar” o padre, Deus “inventou” um Povo, o seu Povo.
Sendo assim, um verdadeiro padre tem de ter simplicidade no seu coração e partilhar com o Povo as alegrias, as esperanças, as tristezas e as angústias do homem de hoje. Tem essencialmente que compreender a juventude e ser um homem actual e humano perante os problemas que assolam o mundo.
Confio que tudo se vá transformando no bom sentido e que os Novos Padres surjam para bem cumprir os desígnios de Deus.
Se assim for, o padre moderno cuidará do corpo e da alma do Povo do Senhor.
Nos últimos tempos, o sacerdócio tem sido alvo de muitas discussões e, querendo ultrapassar tudo o que vi durante a minha vida, desejo que a verdade, a vocação, a inteligência dos novos padres sejam incondicionalmente direcionadas para elevar aqueles que acreditam. Que esse mesmo Povo, nos anos vindouros, encontre a sua fé, o seu pão e a instrução a que têm direito.
Aida Nuno
sinto-me:
Quinta-feira, 4 de Setembro de 2008
Direitos da Água
A ONU redigiu um documento em 22 de Março de 1992, intitulado "Declaração Universal dos Direitos da Água".
O texto merece profunda reflexão e divulgação por todos os amigos e defensores do Planeta Terra, em todos os dias.
1 - A água faz parte do património do planeta. Cada continente, cada povo, cada nação, cada região, cada cidade, cada cidadão, é plenamente responsável aos olhos de todos.
2 - A água é a seiva de nosso planeta. Ela é condição essencial de vida de todo vegetal, animal ou ser humano. Sem ela não poderíamos conceber como são a atmosfera, o clima, a vegetação, a cultura ou a agricultura.
3 - Os recursos naturais de transformação da água em água potável são lentos, frágeis e muito limitados. Assim sendo, a água deve ser manipulada com racionalidade, precaução e parcimónia.
4 - O equilíbrio e o futuro de nosso planeta dependem da preservação da água e de seus ciclos. Estes devem permanecer intactos e funcionando normalmente para garantir a continuidade da vida sobre a Terra. Este equilíbrio depende em particular, da preservação dos mares e oceanos, por onde os ciclos começam.
5 - A água não é somente herança de nossos predecessores; ela é, sobretudo, um empréstimo aos nossos sucessores. Sua protecção constitui uma necessidade vital, assim como a obrigação moral do homem para com as gerações presentes e futuras.
6 - A água não é uma doação gratuita da natureza; ela tem um valor económico: precisa-se saber que ela é, algumas vezes, rara e dispendiosa e que pode muito bem escassear em qualquer região do mundo.
7 - A água não deve ser desperdiçada, nem poluída, nem envenenada. De maneira geral, sua utilização deve ser feita com consciência e discernimento para que não se chegue a uma situação de esgotamento ou de deterioração da qualidade das reservas actualmente disponíveis.
8 - A utilização da água implica um respeito à lei. Sua protecção constitui uma obrigação jurídica para todo homem ou grupo social que a utiliza. Esta questão não deve ser ignorada nem pelo homem nem pelo Estado.
9 - A gestão da água impõe um equilíbrio entre os imperativos de sua protecção e as necessidades de ordem económica, sanitária e social.
10 - O planeamento da gestão da água deve levar em conta a solidariedade e o consenso em razão de sua distribuição desigual sobre a Terra.
Fonte: ONU (Organização das Nações Unidas)
sinto-me:
Quarta-feira, 7 de Maio de 2008
VIRGINIA WOOLF (1882-1941)
Adeline Virginia Stephen (Virginia Woolf) , nasceu em Londres no dia 25 de Janeiro de 1882. A sua família pertencia à classe média alta. Seu pai Sir Leslie Stephen era crítico literário. Sua mãe Júlia era viúva e foi a segunda esposa de Sir Leslie Stephen.
Como a maioria das mulheres dessa época foi educada, com sua irmã Vanessa, em casa com tutores e nunca foi à escola. Lamentou-se toda a vida por isso dado que seus irmãos tiveram oportunidade de estudar em colégios e fizeram carreira.
No entanto, ter sido educada em casa permitiu-lhe o acesso à vasta biblioteca de seu pai, livros que devorou ao longo da vida.
Foi a partir do falecimento de sua mãe, tinha Virgínia 13 anos, que começou a sofrer de periódica enfermidade mental que a acompanhou toda a vida em estados alternativos de depressão e euforia.
Sua meia-irmã, mais velha, Stella foi para ela uma segunda mãe mas morre em 1905 e, posteriormente, seu pai. Nesse período Virgínia tenta suicidar-se.
Foi então que nessa altura Vanessa, Virgínia e Adrian Stephen se mudaram para Bloomsbury convertendo esse espaço para reuniões de livres-pensadores. Faziam parte dessas reuniões, entre outros: Clive Bell, Lytton Strachey e Leonard Woolf. Cerca de 1910 juntaram-se a eles Roger Fry, crítico de arte, e o novelista E.M.Foster que ficaram grandes amigos de Virgínia.
Em 1904 Virginia começou a escrever regularmente artigos e críticas para “The Guardian”e “The Times Literary Supplement”. Em finais de 1905 foi convidada a dar aulas em Morley College (instituto para mulheres e homens da classe trabalhadora).
Em 1906 e seu irmão Thoby morre e nesse mesmo ano sua irmã Vanessa (pintora) casa com o crítico de arte e seu amigo Clive Bell).
Em 1912 Virgínia casa-se com Leonard Woolf e quatro anos mais tarde fundam a editora “The Hogarth Press”, que serviu de trampolim para a escritora no mundo das letras.
Ao princípio Virgínia duvida da sua capacidade como escritora sobretudo porque desde pequena lhe ensinaram que o destino das mulheres era o matrimónio e a maternidade.
A escritora e o seu grupo de amigos de “Bloomsbury” trocam a noção da narrativa linear por um método de escrita utilizando o “flash-back” para manter a intriga e a estrutura da narração a partir de uma linha de tempo onde o passado se recorda voltando-se posteriormente ao presente.
Nas suas primeiras novelas: Fim de Viagem (1917); Noite e Dia (1919); O Quarto de Jacob (1922) mostra claramente a determinação de ampliar as perspectivas da novela para além da narração.
Na novela “A Senhora Dalloway” (1925) o argumento surge da vida interior dos personagens e os efeitos psicológicos alcançam-se através de imagens, símbolos e metáforas. Há um fluxo e um refluxo das suas impressões pessoais, sentimentos e pensamentos. Os acontecimentos da Senhora Dalloway percorrem 12 horas do interior dos personagens, a consciência que têm de si mesmos, dos outros e de seu mundo caleidoscópio; a novela Orlando (1928) é mais ou menos baseada na vida de sua amiga Vita Sackville-West.
Escreveu biografias e ensaios tão famosos como Uma Habitação Própria (1929) onde critica a pouca valorização dos direitos da mulher. A sua correspondência e diários publicados postumamente são tão valiosos para os escritores como para os leitores da sua obra.
Outras obras da autora: Os Anos; Cartas a Mulheres; Momentos de Vida; Diário de uma Escritora, entre outros.
Defensora do feminismo incute às mulheres a luta contra a violência quotidiana e contra a política de valores, participando na profunda mudança cultural, numa nova era.
As notícias da Segunda Guerra Mundial despoletaram a natural depressão de Virgínia Woolf.
Em 28 de Março de 1941, depois da sua última crise e de ter escrito duas mensagens: uma para o seu marido Leonard e outra para Vanessa, sua irmã, enche os bolsos do seu casaco de pedras e afunda-se no rio Ouse onde morre afogada e é arrastada pela corrente sendo encontrada dois dias depois.
Admirando profundamente esta escritora pela sua sensibilidade, pela poesia da sua escrita não quis deixar de falar um pouco sobre a sua obra. Seria para mim uma ousadia tentar transmitir, em poucas palavras, o enredo de qualquer das suas novelas. Lembrei-me então de transcrever um conto “Três Quadros” escrito pela autora onde poderão sentir na íntegra o poder da sua narrativa, como nos domina, como nos absorve...
Aida Nuno
TRÊS QUADROS
Primeiro
É impossível não deparar com quadros por toda a parte, porque o simples facto de meu pai haver sido ferreiro, por exemplo, e o vosso par do reino, faz com que, uns para com os outros, tomemos o aspecto de personagens de quadro, coisa que possivelmente não conseguiremos evitar saindo da moldura que as circunstâncias nos criaram e isto por mais naturalmente que procuremos expressar-nos. Ao lembrarem-se de mim, por força me imaginarão à porta da forja, com uma ferradura na mão, e comentarão de passagem: “Que coisa pitoresca!” Eu, pela minha parte, não posso impedir-me de fantasiar-vos comodamente reclinada num luxuoso carro, cumprimentando a populaça, e tal visão, a meus olhos, será como o símbolo da aristocracia. Sem dúvida, nem uma, nem outra destas duas imagens corresponderá à realidade, mas, quanto a isso, que fazer?
Ora acontece que, há pedaço, numa curva da estrada, avistei um destes quadros que poderia intitular-se “O Regresso do Marinheiro”, ou coisa semelhante. Tratava-se de um marinheiro novo, bem-parecido transportando um saco na mão, e de uma rapariga pendurando-se-lhe no braço; em volta deles, alguns vizinhos e, ao fundo, uma pequena habitação dentro de um jardim florido. Ao passar via-se claramente que aquele marinheiro acabava de chegar da China e que, no interior da casa, a sala fora cuidadosamente preparada para recebê-lo. Adivinhava-se também que, no saco que ele transportava, vinha um presente para a jovem esposa e que esta ia dar-lhe o primeiro menino. Tudo estava certo, tudo parecia perfeito, nesse quadro e contemplar tamanha felicidade tornava a vida mais suave e agradável de viver.
Pensando assim, ultrapassei-os, contemplando o quadro, de memória, o mais que pude, com pormenores que conseguira observar, a cor do vestido dela, a expressão dos olhos dele, o gato amarelo enroscado à porta da habitação.
Durante certo tempo o quadro ficou-me nos olhos, tornando tudo em volta mais brilhante, mais quente e mais simples do que é habitual, e fazendo com que certas coisas se me apresentassem como loucuras, outras tolices e outras ainda exactas, perfeitas e com muitíssimo mais sentido do que sempre imaginara. Durante aquele dia e o dia seguinte, nos momentos mais singulares, o quadro voltou-me à memória, pensando com inveja, mas também com ternura, no marinheiro e na sua mulher; perguntava comigo o que estariam fazendo e dizendo, naquele instante. A minha imaginação, aos poucos, foi juntando ao primeiro outros quadros que, por assim dizer, o completavam. Via o marinheiro rachando lenha, via-o tirando água do poço do jardim; ouvia-o conversar com a mulher acerca do que vira na China, imaginava esta colocando cuidadosamente o presente que o marido lhe trouxera sobre a chaminé da sala, de modo que todos pudessem admirá-lo; depois imaginava a rapariga cosendo roupinhas de criança, enquanto todas as portas e janelas se encontravam abertas sobre o jardim, onde pássaros chilreavam e abelhas zumbiam. Rogers – era o nome dele – não encontrava palavras com que dissesse o prazer que tudo isso lhe causava, depois de ter percorrido os mares da China, e instalava-se a fumar cachimbo, fora da porta, admirando o jardim.
Segundo
No meio da noite um grito dilacerante rasgou o silêncio; em seguida, ouviu-se como que um vozear, depois um silêncio de morte se fez. Tudo quanto pude avistar, da minha janela, foi uma haste do lilás do jardim pendendo imóvel sobre a estrada. Era ainda noite fechada. Não havia luar. O grito emprestara às coisas um aspecto singular. Quem gritara? Porque gritaria ela? Tratava-se de uma voz de mulher, quase inexpressiva, quase assexuada, pela violência da emoção. Dir-se-ia a natureza humana gritando contra qualquer inexplicável iniquidade, contra qualquer inenarrável horror.
Seguiu-se ao grito um silêncio de morte. As estrelas cintilavam perfeitas, serenas, os campos dormiam tranquilos e as árvores continuavam imóveis; no entanto, por toda a parte se espalhara um sentimento de culpa, todas as coisas se sentiam responsáveis não sei por que tremendo crime. Tinha-se a sensação de que era indispensável tentar qualquer coisa. Tinha, por força, de aparecer alguma luz agitando-se, movendo-se inquieta, numa e noutra direcção. Alguém devia aparecer correndo pela estrada.
As janelas da casita na curva do caminho iluminar-se-iam e então talvez que outro grito se fizesse ouvir menos desesperado, no entanto, já não inarticulado e repleto de inenarrável horror. Todavia, nenhuma luz apareceu, nenhuns passos se fizeram ouvir e não houve segundo grito. O primeiro extinguira-se, desapareceram dele os derradeiros ecos e seguiu-se-lhe um silêncio mortal.
Deitada no silêncio do quarto, eu escutava debalde. Fora uma voz apenas. Uma voz sem sentido. Não era possível imaginar qualquer quadro que com esse grito tivesse relação e que pudesse ajudar a interpretá-lo ou a torná-lo inteligível. A manhã começava a romper quando avistei uma forma humana, meio diluída em treva, indefinida, informe, erguendo em vão um braço gigantesco contra qualquer intransponível iniquidade.
Terceiro
O tempo continuou suave. Se não tivesse ouvido aquele grito durante a noite teria a impressão de que, finalmente, o orbe aportara a porto seguro, que a vida deixara de ser agitada pelo vendaval, que o mundo alcançara, enfim, uma enseada tranquila onde repousasse quase imóvel em águas tranquilas. Contudo, nos meus ouvidos, o som persistia. Onde quer que me dirigisse, mesmo ao dar um passeio pelas colinas, qualquer coisa me parecia existir sob a superfície serena das coisas, fazendo-me descrer da estabilidade, da segurança, que à minha volta pareciam existir. Pela vertente um rebanho pastava tranquilo e o vale, ao fundo, estendia-se, ondulado, como um mar calmo de Verão.
Passei por uma herdade solitária. No pátio um cachorro brincava e borboletas voltejavam sobre a urze. Tudo parecia gozar uma felicidade serena e perene. Contudo, na noite anterior, ouvira-se aquele grito e toda a beleza, toda a serenidade, que eu tinha em frente dos olhos, fora cúmplice. Sim, pelo menos consentira, e tudo continuava sereno, belo, embora aquele grito se tivesse feito ouvir e pudesse voltar a se repetir. Toda a serenidade, toda a segurança eram aparência falaz...
E então para me alegrar, para esquecer esta opressiva disposição, recordei a chegada do marinheiro. Voltei a ver o quadro, enriquecendo-o ainda com mais alguns pormenores – o vestido azul que ela trazia, a sombra que a árvore florida projectava sobre o jardim – que não notara até ali. Tornei a avistá-los junto da porta de casa, ele com o seu saco, ela enfiando-lhe o braço, o gato amarelo enroscado à porta. E, desta maneira, rememorando o quadro em todos os seus pormenores pude, aos poucos, convencer-me de que realmente existiam calma e bem-estar para além da superfície das coisas e não nos esperava sempre qualquer surpresa traiçoeira e sinistra. O rebanho pastando, espalhado sobre o ondulado das colinas, a herdade longínqua mais o seu cachorro e as borboletas poisando aqui e além, eram realmente factos e nada havia oculto sob tais aparências. E assim regressei a casa, pensando no marinheiro e na mulher, desenhando, um após outro, vários quadros de felicidade perene e de alegria, de modo a calar o desassossego que o tremendo grito deixara dentro de mim.
Alcancei finalmente a aldeia, atravessando o adro, por onde é forçoso atravessar; e, como sempre me acontece de cada vez que passo naquele local de paz, atentei na tranquilidade daquelas cinzas repousando dentro de túmulos de pedra ou em covas onde não existe sequer um nome a recordar. Quando por aqui passo, tenho sempre a impressão de que a morte é uma coisa alegre, pensei uma vez mais. Eis então que um quadro mais se me apresentou.
Um homem abrindo uma cova e um bando de crianças merendando ao lado da sepultura. Enquanto ele ia retirando de dentro da cova pás de terra, as crianças comiam o seu pão com doce e bebiam leite de enormes púcaros. A mulher do coveiro, gorda e bonita, encostada a um túmulo, estendera o avental na relva, mesmo ao lado da cova que acabara de ser aberta, de modo a fazer de toalha de chá. “Quem vai ser enterrado”, perguntei, “morreu finalmente o velho Mr. Dodson?” – “Não, não”, respondeu-me a mulher. “É para o Rogers, o marinheiro. Morreu a noite passada de uma febre que apanhou na viagem. Não ouviu a mulher? Veio a estrada e gritou...”
Depois, virando-se para um dos pequenos, “Tem juízo Tommy, estás a encher-te de terra”!
Que quadro tremendo que me não atrevo sequer a esboçar...
Virgínia Woolf
Nota Pessoal
Caminhou ao encontro das águas ausente de tudo e não mais voltou...
Como a própria autora citou “A Vida é um sonho e é o sonho que nos mata...”
Ficou para sempre a sua obra magnífica.
“Sim, o mundo pode ainda vir a ser muito belo... Um mundo vasto, tranquilo, com campos cobertos de flores vermelhas e azuis. Um mundo onde o pensamento deslizará como um peixe num regato recoberto de nenúfares e de lírios com ninhos pelas ramagens, repletos de ovos brancos de aves aquáticas” (escreve a autora em “Marca na Parede”).
sinto-me:
Segunda-feira, 7 de Janeiro de 2008
COBARDIA
Lembro o meu pai gordo, sanguíneo, com os olhos turvos e um pouco cerrados sempre pronto a investir sobre mim a qualquer gesto, a qualquer palavra que não fosse para ele transparente, que não traduzisse obediência e submissão. Movia-se com grande esforço, como se estivesse sempre em luta com o estorvo da sua gordura mas, isso, não o impedia de me castigar corporalmente como se assim aliviasse a sua ira perante as suas limitações.
O medo constante que eu e a minha mãe sentíamos pelo meu pai, a impotência perante as suas decisões irrevogáveis queimavam todo o nosso querer, toda a nossa esperança e alegria, reduzia-nos a cinzas.
Com a minha juventude e inexperiência não via nenhuma saída que me pudesse libertar daquele gigante, com poder absoluto, dominando como um senhor feudal. Muitas vezes quis ver nele a razão, a sabedoria, mas ter medo de um pai, sentir ansiedade quando lhe escutava os passos, não era natural.
Sempre conheci a minha mãe frágil e acomodada perante um mundo que nunca conheceu e que a todo o momento se estava transformando. O seu mundo era o meu pai e as migalhas que ele lhe oferecia em troco da sua servidão.
Por vezes, havia uma certa generosidade nas suas atitudes mas, essas dádivas, eram oferecidas por um Deus cruel que exigia vassalagem e admiração.
Eu era a insubmissa silenciosa, não conformada. De olhos bem abertos olhava o mundo que girava, não à minha volta mas sim nas ruas, nos acontecimentos, nos sentimentos que floriam, nas vozes que escutava, no trabalho exigente, nos livros bem e mal escolhidos, na provocação da vida perante a minha juventude, a minha inteligência e o meu inconformismo.
Censurar o meu pai por tudo o que se passou? Não, não posso. Invade-me uma imensa pena por aquilo que ele não foi ou não conseguiu ser. Como as suas capacidades poderiam ter sido usadas de uma maneira diferente! Eu nunca duvidei que toda essa carne pesada, onde ele habitava, tinha uma alma boa mas adormecida, não sei bem ao certo porquê!
Teria aprendido com o mar a sua fúria e a sua crueldade? Quanto tempo viveu e percorreu esse mar embravecido? Muitos e muitos mil dias...não sei a conta... Pobre marinheiro longe de um amor verdadeiro... Os desejos eram contidos e os sussurros que ouvia vinham do mar, das sereias que nele habitam para endoidecer os homens. Como eles se excitam quando vislumbram lá longe uma nesga de terra! Essa terra que os sacia e onde procuram o remédio para a sua solidão.
Talvez quisesse destruir, com a sua severidade ignorante, as prostitutas que pelos seus braços passaram de porto em porto por esse mundo fora. Nós éramos a sua moral, a sua família, tínhamos de viver sobre o seu jugo, purificadas.
É difícil saber o que o meu pai pensava. Hoje quero ficar convicta que ele foi o fruto de uma geração decadente mas não extinta... Faltou-lhe um pai que não conheceu, faltou-lhe uma mãe que lhe ensinasse o amor, o abraço, o sorriso partilhado, o tal amor primeiro que dá o princípio de tudo ao homem, a sua ternura perante o mistério da maternidade. Faltou-lhe a mulher rebelde que o enfrentasse e lhe dissesse: Não, eu sou gente! Os seus sentimentos, os maus e os bons, foram misturados, indistintos... falhando irremediavelmente.
Imensa é a saudade, de ser criança ingénua, de olhar o meu amor paterno chegando dessas terras e desses mares por mim desconhecidos mas imaginados pelas palavras desse marinheiro, de olhos da cor do mar, que me interrogo. Porquê? Porque mudaste, porque me desiludiste? Porquê crescer? Onde estava o meu herói? Quem era este desconhecido que me tirava o direito de viver a minha mocidade?
E os dias sempre a passarem iguais, penosos, salvo o trabalho e as pessoas que à volta dele giravam e me ofereciam o oxigénio para continuar, para não desistir...
Tanto pôr-do-sol que eu perdi, tantos barcos que não vi passar num mar que habitava ali mesmo ao meu lado... Imaginava tudo o que eu queria num sonhar constante, dentro da noite onde tudo se apazigua, se silencia e nos aquieta.
A mãe e os seus desgostos, a mãe e todas as suas aflições. Eram os excessos, a bebida...o corte no dinheiro, não vás, não faças...olha o teu pai.
Sentia vontade de fugir para um lugar onde pudesse realizar os meus sonhos. Cansei-me do meu pai, da minha mãe e de morrer um pouco todos os dias. Eu queria viver, não sentir medo, sentir com alegria as pequenas coisas vulgares e que nos fazem rir, descobrir em mim a mulher sem o insulto nem o castigo. Quem sendo jovem quer sentir a maldade humana tão perto de si? Eu estava no tempo de acreditar no amor, na felicidade, nos amigos.
As noites desciam sempre cedo sobre mim. Assim acelerava o tempo num sono de sonhos porque os dias eram iguais, nunca me pertenciam. A palavra “proibir” estava colada ao meu cérebro. Odiava este verbo nas suas mais diversas variantes.
Um dia a minha mãe, com o seu ar sempre muito humilde, compreendendo a minha tristeza constante, disse-me:
- Ouve, querida filha... Não és tu que te deves afligir, não és tu que deves sofrer. Eu devia calar-me, não te contar nada... Eu prometo-te...um dia tudo vai mudar. Eu vou enfrentá-lo...espera e verás!
Durante muito tempo nada mudou... a sua boca permanecia cerrada, os seus olhos continuavam baixos e pisados e as suas rugas pareciam sulcos profundos em terra seca.
Fui aprendendo, vendo, escutando até que houve um clique dentro de mim e tomei uma resolução perante uma vida sem projectos e sem sentido: sair de casa contra tudo e contra todos. Pensassem o que quisessem, dizia para mim mesmo, determinada e ao mesmo tempo cheia de ansiedade. não vou desistir, a minha decisão está tomada, não sai da minha mente, não voltarei atrás.
Cerrei a porta da casa de meus pais devagar, querendo fechar também mansamente todo o meu passado. Não sabia o futuro mas sabia quem eu era, sabia o que queria e à medida que avançava para a liberdade vislumbrei, sem querer, a cena que iria dar-se quando dessem pela minha falta: o choro de minha mãe angustiada e a crueldade de meu pai enfurecido.
Dentro de mim começou novamente a crescer um invencível medo que, por fim, se sobrepôs a todos os outros sentimentos e a qualquer outra ideia. A minha liberdade retrocedia agora tão violenta que me secou a boca. A minha mãe ficava sozinha... Acobardei-me.
Voltei, voltei pela minha mãe, para a ajudar como pudesse e com a resignação de uma mulher que a fatalidade obrigasse a passar por uma provação para alcançar, mais tarde, a libertação, que o meu sexto sentido já tinha a previsão e a certeza. Descobri, nesse momento, que tinha de ficar. Ainda era cedo para me libertar e não o podia fazer daquela maneira. Estava, dolorosamente, aprendendo a vida. Um dia tudo se transformaria.
Ao regressar pelo mesmo caminho, senti na aragem da noite a magia de estar viva. Voltava convicta para desafiar o homem, o pai, esse gigante de quem não teria mais medo. O orgulho e a lucidez entraram em mim e senti-me a crescer como David perante Golias.
Estava chegando a casa e ao atravessar a rua reparei num vulto que me pareceu familiar. Estaquei e o meu coração deu um salto pois reconheci a minha mãe. Mais atrás vinha o meu pai, lutando contra a sua gordura, correndo atabalhoadamente e gritando:
- Leonor! Leonor!
A minha mãe não o ouvia. Caminhava direita, muito hirta, sem se voltar, sem se desviar, como se só tivesse uma finalidade, um objectivo: chegar a um certo lugar por ela definido. O que pensaria minha mãe? O que se teria passado?
Balouçando-se, transportando consigo todo o seu peso, o meu pai não a conseguia alcançar. Tudo parecia impossível, irreal: a minha mãe caminhando sem saber exactamente o seu caminho... ou saberia? O meu pai chorava, implorando, chamando-a desesperado... e eu, há momentos, no limiar da minha liberdade, observava e continuava aprendendo a vida... Três personagens mudando as suas posições... A noite permanecia quieta e negra, como um cenário onde se tivessem esquecido de desenhar a lua e eu só ouvia:
- Leonor! Leonor! Ouve! Volta para casa! Eu perdoo-te...
Consegui mover-me, chegar perto do meu pai.
- O que foi pai, o que sucedeu? – Perguntei-lhe.
Apontou-a com o dedo e disse:
- Está doida, a tua mãe está doida, não a conheço... e prosseguiu a sua caminhada cambaleante, soluçando ou urrando cada vez mais alto, seguindo-a sempre como se estivesse alucinado.
Eu fiquei quieta vendo os dois afastarem-se e pensei que todas as cóleras, todos os ódios, violências e castigos são injustos e inúteis. Achei-me uma estranha perante o sucedido, no entanto, na minha consciência, martelava-me o remorso de ter ajudado a acontecer algo de irreparável e que eu lembraria para sempre. O que se teria passado entre o tempo da minha liberdade e o da minha cobardia? O que teria dito minha mãe para o meu pai ter a veleidade de lhe querer perdoar? Teve a minha mãe que enlouquecer e morrer, ainda tão nova, por ter tido uma única vez, na sua vida, coragem? Nunca o soube.
A mãe adoeceu por um período prolongado onde por fim a morte a esperava; o meu pai mudou, sempre calado e acessível no trato até ao fim da sua vida. Eu morri, nasci e renasci a partir daquela noite, a noite das decisões... Foi um caminho bastante doloroso, o preço foi muito alto mas, hoje, serenamente, a minha memória transporta-me, muitas vezes, para o meu passado e imagino a heroína, a minha mãe, surgir lutando, por breves momentos, contra o despotismo do meu pai, como uma guerreira.
Os anos passam por nós e dão-nos outra visão da vida. Os acontecimentos passados tornam-se sempre nublados como se fossem perdendo a força e o seu significado. O que sucederia se, naquela noite, eu tivesse apanhado um comboio qualquer e tivesse partido?
Quero pensar que a minha mãe se curaria e o meu pai também... ficando os dois à espera do meu regresso cheios de esperança. Eu, num dia qualquer, abriria decidida a porta da nossa casa na certeza de que nada seria como dantes.
Aida Nuno
sinto-me:
Domingo, 2 de Dezembro de 2007
O Natal e os Desejos
De ano para ano Lisboa começa mais cedo a querer ser diferente do habitual, porque o necessário ritmo da cidade estagnou há muito. O que eu quero dizer é que a maioria das pessoas não consegue chegar ao essencial durante o ano quanto mais às necessidades e aos sonhos que esta época nos oferece de várias formas.
Logo em Novembro, as ruas, os centros, as lojas enchem-se de brilhos, luzes, santos, anjos e arcanjos mas só uma minoria entra nessa euforia de cor. Não conseguimos fugir à realidade. As estrelas que nos oferecem estão altas de mais e não caem do céu.
O dinheiro está caro e o que se verifica, se estivermos mais atentos, são as lojas de artigos de marca e de luxo cheias de consumidores assim como as mais populares com artigos baratos e de qualidade muito duvidosa. Esta é a realidade do nosso tempo. O meio termo está-se esvaindo cada ano que passa. Até quando?
Em nome de um menino que nasceu humilde, envolto em simples vestes e deitado em palhinhas numa simples manjedoura, há muitos que se perdem economicamente, outros consomem todo o tipo de coisas levianamente sem qualquer tipo de generosidade por quem verdadeiramente sofre carências. Restam os desalentados, os pobres e os lúcidos.
Quase todos na generalidade gostamos de ofertar, de comprar, nesta época, presentes para a família e amigos. É bom sentirmos isso no coração. É legítimo este querer.
A arte de comprar começa por não o fazermos por impulso. Não às inutilidades mas também não oferecer algo tão vulgar e premente que ofenda a ilusão e a magia desta quadra. Porque não o brilho de um desejo junto com o necessário?
O espírito desse menino que veio há mais de dois mil anos dar-nos o exemplo de amor, amizade, sacrifício, mesmo para os que não são crentes, deveria estar sempre presente no acto de uma compra para ofertar. Imaginação e amor.
Estamos numa época fulgurante de embrulhos, fitas, caixas e caixinhas que num ápice se deitam fora. Que o seu conteúdo seja imaginativo e útil. Tudo o resto se perde.
Obrigada Isabel Jonet pela sua grande obra! O seu perfil entusiasta, impulsionador, generoso, íntegro oferece-me a Esperança.
O Menino Jesus continua com a sua humildade e perseverança a olhar para este mundo.
Aida Nuno
sinto-me:
Quarta-feira, 24 de Outubro de 2007
ANDRÉ MALRAUX – (1903 -1976)
Para a maioria dos escritores a infância é objecto de recordações nostálgicas e maravilhosas. André Malraux empregou toda a sua energia para a esquecer : "Presque tous les écrivains que je connais aiment leur enfance, je déteste la mienne" escreve nas suas anti memórias em 1967.
Nasceu em 1903 em Montmartre – Paris. Depois da separação de seus pais Malraux foi criado por três mulheres: sua avó, sua mãe e sua tia. Começou nessa altura a descobrir o mundo através de livros e de museus. Dotado de uma grande curiosidade e de uma memória prodigiosa muito novo começou a frequentar meios literários e artísticos avant-garde. Malraux torna-se num apaixonado pela pintura cubista.
Em 1921 é editado o seu primeiro livro “Luas de Papel”.
Mais tarde conhece Clara Goldschmidt, rica herdeira de uma família alemã emigrada. Clara é imediatamente seduzida por este homem elegante e de uma inteligência brilhante. Depois de casados Malraux joga a fortuna de sua mulher na bolsa e perde. O casal fica arruinado.
Para reconstruir rapidamente o património André Malraux toma a estranha decisão de ir buscar algumas estátuas khmères à selva do Cambodja para as vender no Ocidente. A expedição é um desastre. No Natal de 1923 chegam a Phnom-Penh. André Malraux é condenado a três anos de prisão. Sua mulher e cerca de vinte grandes escritores franceses mobilizam-se e conseguem a sua libertação.
Esta experiência incute-lhe o vírus da aventura e o seu interesse pela acção política. Malraux retorna à Ásia. Torna-se num anti-colonialista o que lhe traz vários problemas com a justiça. Como redactor e chefe de uma publicação clandestina “L’Indochine Enchainée” foca os acontecimentos da revolução chinesa, principalmente de Cantão em 1925.
Regressa a França onde publica os seus primeiros romances: A Tentação do Ocidente (1926); A Estrada Real (1930- Prémio Interallié); A Condição Humana (Prémio Concourt-1933).
Convicto antifascista participa na Guerra Civil de Espanha ao lado dos republicanos em 1936. Este acontecimento inspira-o para um grande romance “A Esperança” (1937) e um filme “Serra de Terruel” (1939).
Durante a segunda guerra mundial entra tardiamente na resistência (1943) sob o nome de Coronel Berger. Passa por grandes dificuldades junto dos gaulistas e comunistas. Em 1944 cai numa emboscada em Toulouse. Ferido Malraux é preso, interrogado e transferido para a prisão de Saint-Michel de Toulouse. Deve a sua libertação, em Agosto, quando da retirada precipitada dos alemães.
Separa-se de Clara Goldschmidt em 1938 e passa a viver exclusivamente com Josette Clotes com quem se tinha relacionado desde 1933 e de quem tem dois filhos. Em 1944 Josette morre acidentalmente.
Posteriormente casa com Madeleine viúva de seu meio-irmão Roland preso e executado em 1944, como resistente.
Em 1945 ele reencontra o General De Gaulle. Uma grande admiração recíproca é criada entre os dois. Malraux aceita o convite para seu conselheiro técnico da Cultura e será por um curto espaço de tempo Ministro da Informação (Novembro 1945 – Janeiro 1946).
Nunca mais deixará o General De Gaulle. Em 1958 é nomeado Ministro do Estado encarregado de Assuntos Culturais. O militante revolucionário torna-se em militante Gaulista.
Posteriormente Malraux publicou várias obras entre elas A Voz do Silêncio em 1951.
Em 1961 perde os seus dois filhos. “A morte é a prova irrefutável do absurdo da vida” cita Malraux.
A Metamorfose dos Deuses (1957-1976), e Anti memórias (1967) são obras notáveis deste homem de grande intelecto.
Em 1970, publica “Chênes que l'on Abat”, a última homenagem ao General De Gaulle.
Morre em 1976 no Hospital Henri-Mondor de Créteil com uma congestão pulmonar.
Jean d'Ormesson escreve sobre Malraux: ...”É dentro do coração e na memória que sobrevivem os escritores. - Malraux amou a Arte, a Revolução e o General De Gaulle.”
Estrada Real é o relato quase iniciático da revelação do destino do homem, obtida através da sua luta contra a natureza e os outros homens. André Malraux finaliza esta narrativa com a terrível descoberta de que a morte é uma experiência individual e infinitamente solitária.
A ESTRADA REAL de André Malraux (excertos)
Este maravilhoso livro é iniciado por uma troca de palavras entre Perken e Claude a respeito de alguns aspectos mais sombrios do erotismo:
“...Os homens mais novos não entendem o...como é que vocês dizem?...o erotismo.
Até aos quarenta, caímos sempre no mesmo erro, não sabemos libertar-nos do amor; um homem que, em vez de pensar numa mulher como complemento de um sexo, pensa no sexo como complemento de uma mulher, está pronto para o amor: tanto pior para ele. Mas há pior; a época em que a obsessão do sexo, a obsessão da adolescência, regressa, mais forte ainda alimentando-se de toda a espécie de recordações...”
Claude, ao sentir o cheiro do pó, a cânhamo e a cotão entranhado na sua roupa, tornou a ver a cortina de sacas ligeiramente repuxada atrás da qual um braço estendido lhe tinha mostrado, havia pouco, uma adolescente negra, nua (depilada), com uma ofuscante mancha de sol no seio direito espetado; e a prega das pálpebras grossas que tão bem exprimia o erotismo, o desejo maníaco, “o desejo de trazer os nervos à flor da pele”, dizia Perken... E este continuava:
- Vão-se transformando as recordações...A imaginação é uma coisa extraordinária! Em si mesma, estranha a si mesma...A imaginação...compensa sempre...
“...- O que quer dizer com isso, ao certo?
- Você há-de compreender por si, mais tarde ou mais cedo...os bordéis somalis estão cheios de surpresas...
Claude conhecia bem aquela ironia rancorosa que um homem raramente emprega a não ser contra si ou contra o seu destino.”
Claude é um jovem de 26 anos que decide aventurar-se à busca, nas florestas da Indochina, de templos perdidos que se dispersavam ao longo da Antiga Estrada Real Khmer, que liga Angkor e os lagos à bacia de Menão.
Perken é uma espécie de alto funcionário siamês que vai explorar os mesmos caminhos em busca de Grabot, um presumível desertor. Tendo um passado estranho sente-se prisioneiro da sua própria vida.
É nesta expedição que entre eles se gera uma amizade e profunda fraternidade nascida do próprio sentido de aventura e da consciência do perigo.
“...Nunca se faz nada da vida, diz Perken.
- Mas ela faz alguma coisa por nós, responde Claude.
- Nem sempre... O que espera você da sua?
Claude não respondeu logo. O passado daquele homem transformara-se em experiência, em pensamento apenas sugerido, em olhar, que a sua biografia perdia toda a importância. Só restava entre eles – para os ligar – aquilo que os entes têm de mais profundo.
- Penso que sei sobretudo o que não espero dela...
- De cada vez que você teve de optar, não se...
- Não sou eu que opto: é aquilo que resiste.
- Mas o quê?
Tantas vezes fizera a si próprio essa pergunta que pôde responder imediatamente:
- A consciência da morte.
- A verdadeira morte é a decadência.
Perken olhava agora no espelho o seu próprio rosto.
- É tão mais grave, envelhecer! – Aceitarmos o nosso destino, a nossa função, a casota de cão erguida na nossa vida única... Não se sabe o que é a morte quando se é novo...
E de repente, Claude descobriu o que o ligava àquele homem que o aceitara sem que ele percebesse bem porquê: “a obsessão da morte.”
Percorremos com o escritor as florestas da Indochina, sentimos a esperança, a inquietação e o cansaço dos personagens. A vontade de vencerem, o instinto de viver para além das dificuldades, o espírito de gratidão ao descobrir a primeira figura esculpida...A consciência, a procura, o desalento passam pelos nossos olhos de uma maneira tão absoluta que não distinguimos o bem do mal. Só sentimos o homem e a sua condição humana.
“A unidade da floresta, agora, impunha-se; havia seis dias que Claude renunciara a separar os seres das formas, a vida que se move da vida que ressuma; uma potência desconhecida ligava os fungos às árvores, fazia formigar todas estas coisas provisórias sobre um solo semelhante à espuma dos pântanos, nestas florestas fumegantes do começo do Mundo. Que acto humano tinha aqui sentido? Que vontade conservava a sua força? Tudo se ramificava, amolecia, procurava adaptar-se a este mundo ao mesmo tempo ignóbil e cativante, como o olhar dos idiotas, e que minava os nervos com a mesma força abjecta que essas aranhas suspensas entre os ramos, de que Claude a princípio tanta dificuldade tivera em desviar os olhos.”
A luta em desbravar, levar o que lhes não pertence, a passagem pelas aldeias em troca de missangas, de álcool, e do medo que, por vezes inspiram, toca-nos e transportam-nos para um mundo desconhecido.
“...A noite, agora fechada, mergulhava até às mais longínquas terras da Ásia, restabelecida, a par do silêncio, sobre os ermos. Acima do fraco ruído das fogueiras, elevavam-se as vozes de dois indígenas, claras e monótonas, mas sem alcance, prisioneiras: mesmo ao lado deles, um robusto despertador media com precisão o silêncio sem fim da selva.
Mais do que as fogueiras, mais do que as vozes, era esse tiquetaque que ligava Claude à vida dos homens, pela sua constância, pela sua clareza, pelo que há de invencível em todo o objecto mecânico. O seu pensamento vinha à superfície, mas alimentado de abismos de onde brotava, dominado ainda pela força do sobrenatural que se elevava da noite e da terra queimada, como se tudo, até mesmo a terra, se tivesse encarregado de o convencer da miséria humana.
- E a outra morte, aquela que está em nós?
-Existir contra tudo isto (Perken indicava com o olhar a maçadora majestade da noite), você compreende o que isso significa? Existir contra a morte é a mesma coisa. Ás vezes parece que represento o meu próprio papel nessa hora. E talvez tudo se resolva muito em breve, com uma flecha mais ou menos repugnante...
...Eu estive quase a morrer: você Claude não conhece a exaltação que vem do absurdo da vida, quando estamos diante dela como diante de uma mulher des... Fez o gesto de arrancar.
- Despida. Nua, de repente...
Claude já não conseguia desviar os olhos das estrelas:
- Falhamos quase todos a nossa morte...
-Eu passo a minha vida a vê-la. E aquilo que você quer dizer - porque também você tem medo - é verdade: é possível que eu seja mais fraco do que a minha. Tanto pior! Também há qualquer coisa de...satisfatório na destruição da vida...
- Você nunca pensou seriamente em matar-se? Pergunta Claude
- Não é para morrer que eu penso na minha morte, é para viver.
Aquela tensão da voz era a desta paixão e de nenhuma outra: uma alegria lancinante, sem esperança, como o destroço de um navio içado de profundezas tão longínquas como a das trevas.”
Perken recupera Grabot martirizado e doente. Há os interesses do caminho de ferro, a ocupação militar... A aventura transforma-se em pânico... Perken é ferido de morte... sente-se um condenado sem esperança. O seu pior adversário é a sua decadência.
“Já não tinha mão, já não tinha por corpo mais do que senão a sua dor; o que significava a palavra “decadência”?...
...Claude viu o sangue surgir entre os lábios de Perken, mas o sofrimento protegia o amigo contra a morte: enquanto sofresse estava vivo. De repente, a imaginação colocou-o no lugar de Perken: nunca se sentira tão preso à vida que não amava.
...Claude lembrou-se, com ódio, da frase da sua infância:
“Senhor, valei-nos na nossa agonia...” Exprimir com as mãos e os olhos, senão com palavras, essa fraternidade desesperada que o projectava para fora de si próprio! Estreitou-lhe os ombros.
Perken olhava aquela testemunha, estranho a ela, como a um ser de outro mundo.”
Nota pessoal
Génio entre os génios André Malraux é uma das mais vivas forças intelectuais do século XX. Foi um fervoroso defensor da dignidade humana.
Principalmente este livro foca a amizade profunda entre dois homens que se encontram, se ajudam e se interrogam.
A morte enterra-se em nós e faz-nos meditar sobre as culpas, sobre os direitos, sobre a alma humana e as suas fragilidades.
Somos seres derrotados perante o abismo de uma morte lúcida. É como uma espera para nascer, uma dor profunda perante a visão do que ainda não se vislumbra, como o parto natural de um ser...
Aida Nuno
Sábado, 26 de Maio de 2007
À beira mar plantado
Depois de ler atentamente as notícias, no meu semanário preferido, neste fim-de-semana, sinto que chegou o momento propício para meditar sobre alguns pontos do que de bom e de mau se passa no nosso País. O balanço que faço, como uma pessoa dita vulgar ou comum, faz de mim uma descrente sobre a parte positiva.
Na política o disse aquele o disse o outro, é uma constante. O nível continua a descer consideravelmente. Não se pensa. As palavras vão saindo da boca para fora e pronto. Isso, fica bem nas crianças pela sua inocência e verbosidade. Às crianças achamos muita graça mas a pessoas destacáveis não fica bem. Por este andar, qualquer dia, nós povo, perdemos mesmo o respeito perante tanta espontaneidade e atitudes de falta de senso.
Na finança e também na política é o que se vê no que se refere ao poder. Alguns, insistem em ficar agarrados ao passado, sentindo-se insubstituíveis.
Seja na política, na finança, nos “media” salve-se quem puder. Os interesses são mais do que muitos. Não importam os meios para se chegar aos fins.
Toda esta minha introdução é para salientar que este hoje, que estou vivendo, é só tristeza do nada. Não desejo o lado negativo do tempo que já não existe, o tempo que se foi. Existe sim o tempo a que temos direito, o instante presente, e ele não nos alicia. Ele é tudo o que precisamos e tem de ser vivido com mais sensatez, mais descrição, mais sobriedade e sobretudo verdade. O que estamos a oferecer ao futuro? Que ao menos os nossos filhos e as gerações seguintes concretizem os nossos sonhos de viver com mais qualidade.
Todos estamos lembrados que passámos muitas vezes por momentos maravilhosos de esperança. Também temos de agradecer a obstinação de muitos em prosseguirem grandes mudanças de base. Não podemos é consentir este desvio constante de atenção dos problemas básicos que nos afectam.
Chegou o tempo de sermos transparentes mas não ofensivos, convictos mas não prepotentes e verdadeiros em toda a acepção da palavra: honestos, críticos, trabalhadores, entusiastas mas fundamentalmente unidos para o bem comum. Que a ganância dos oportunistas seja enterrada.
Estou a ser utópica? Talvez, mas sou persistente...
Tanto o bem como o mal têm o seu tempo de vida. Em nome dos frágeis e desprotegidos e da fome que cada vez se alastra mais neste país que se mostra tão generoso com outros países, quiçá mais carenciados, haja a lucidez de “varrermos a nossa casa e cuidar dela antes de nos compadecermos com a sujeira da casa dos outros, por muito que nos doa, por muito que doa a todos”. Chama-se a isso sobrevivermos ao mal que nos continua a atacar e que tem remédio se formos lúcidos e menos vaidosos em mostrar o que não temos.
Será que não há mais nada a esperar deste Portugal triste e sempre em sobressalto? A felicidade de um País é um processo de busca contínua, de realizações diárias nos mais diversos campos de actividades. Se assim não for irremediavelmente entraremos em depressão. Não há psicólogos que nos salvem!
Por exemplo, incentivar o crédito de uma maneira obscena devia ter castigo. Incutir com imagens aliciantes e contínuas sonhos fáceis e impossíveis para, mais tarde, usurpar os bens de quem não vê a realidade, devia ser punido por lei.
Incutir a sobriedade sem entrar na autoridade déspota é um dever de quem tem o poder nos diversos sectores da nossa sociedade.
Cá estou eu, mais uma vez, a incentivar os jovens para se instruírem com todos os meios que tenham ao seu alcance. Não calculam a arma poderosa mas pacífica que poderão obter e transmitir às gerações vindouras.
Continuo a amar este País à beira mar plantado.
Aida Nuno
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Quarta-feira, 2 de Maio de 2007
Não à desistência
Precisamos de ser persistentes
Acreditar continuando
Nesta esperança que nos alimenta
Todos nós somos capazes, com mais ou menos sacrifício, de partir e chegar a um lugar. Esse objectivo pode-se tornar difícil conforme a estrada se nos apresenta. Somos eternos caminhantes nesta vida...
O Homem é um ser obstinado e infatigável capaz dos maiores sacrifícios para atingir as suas metas mesmo que, por vezes, o esforço seja desumano. Muitos fazem-no por ambição outros porque são pressionados.
Até onde podemos chegar quando somos obrigados a sacrificar todo o nosso tempo útil às funções que alicerçam o nosso quotidiano?
Se partir e chegar é para alguns um marco de esforço e perseverança concretizando por fim os seus objectivos para outros é muito difícil fazer o seu trajecto porque os limites os deprimem.
É assumindo a vida que crescemos na luta de modificar o que está mal. Só encontraremos melhores soluções interagindo com os que caminham ao nosso lado. Assim, em comunidade, aprenderemos a construir solidariedade. Não somos uma ilha mas sim parte de um todo que sofre com problemas de vária ordem sufocando o seu dia-a-dia. Não podemos arranjar desculpas para fugir, por muito sofrimento que esteja dentro de nós. Temos de enfrentar os obstáculos.
Todos, mesmos os mais poderosos, tremem quando os elos que os prendem são fortes. Quero dizer que somos todos feitos da mesma matéria. As oportunidades como, por exemplo, a instrução será sempre uma arma muito forte para combater as injustiças. Lutemos pois por sanar os problemas, com que os nossos pais foram defrontados, ou seja, a ignorância que se continua arrastando até aos nossos dias. O que é que está mal?
Pensem pela vossa cabeça e chegarão ao vosso lugar.
Aida Nuno
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